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Casal do Brás

Texto: Magdalena Bertola

Fotos: Magdalena Bertola e acervo pessoal Alfredo e Maria Apparecida Rente

O sotaque português é fraco, mas presente. Por trás do boné e dos óculos, um par de olhos azuis brilha ao falar daquele antigo bairro, onde mora há 62 anos. Alfredo José Rente saiu do velho país europeu aos 19 anos, hoje, com 80, ainda fala com saudosismo do flute, das porteiras, da sua antiga tabacaria e papelaria. O Brás, onde ainda mora, é parte de seu coração.

 

Como ele mesmo diz, é mais brasileiro do que eu. Por que? Porque ele escolheu. Decidiu ser brasileiro, ficar aqui, ser parte desse povo grande e feliz. Junto com sua mulher, Maria Apparecida, são entusiastas do bairro. Com olhos meio marejados, Maria se queixa da crescente violência, do enfeiamento dali. Ela, que desde criança frequentava o antigo bairro europeu, na época que morava no Belém, diz que ali só fica quem realmente ama o lugar.

 

O casal é uma porta de entrada para o passado paulistano. Suas histórias e lembranças falam de uma época esquecida, onde ali se instalavam pessoas de classe alta, personalidades da música e do teatro. Maria lembra dos carnavais de rua, e a saudade é forte na voz e olhar, que se perde um pouco no meio da lembrança.

 

Passar duas horas em conversas com o casal sobre o passado e presente do bairro faz qualquer um entrar no seu mundo. Num apartamento antigo, é possível ver fotos, ouvir suas histórias... me senti tão aconchegada como parte da família. No salão de festas, fui levada aos anos 50, vi pessoas dançando, vestidas finamente, mulheres com cabelos e maquiagem perfeitas, homens arrumados com muito esmero. Entrei na realidade daquele casal, entendi o que diziam, me senti feliz e, ao mesmo tempo, triste.

 

É incrível como os antigos, quando abordados para falarem de algo que gostam, abrem o coração para alguma jovem estudante, meio perdida ali, no meio do comércio ambulante. Comércio ambulante que cresce cada dia mais. Seu Alfredo diz que hoje já mora em La Paz, já que a maioria da população do bairro é de origem boliviana. Não que se queixe quanto à nacionalidade dos moradores, o que dói no coração do senhor e até no meu, depois de ouvir seus relatos, é o crescente descaso com o local.

 

Dá saudades do Brás, mesmo sem tê-lo conhecido, dá tristeza de ver no que se transformou. Quando se conversa com algum entusiasta de algo, que consegue te levar ao passado, é difícil não se emocionar. Vejo que eles, apesar de viverem em 2014, juntos, ainda vivem antigamente. Juntos estão sempre na época de ouro do bairro, juntos vivem e revivem aquilo que tanto amaram e os fez feliz.

 

Posso dizer, então, que essa foi uma das maiores histórias de amor que já presenciei. E somente a saudade e a lembrança, ainda mantém vivo aquele lugar.

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